segunda-feira, junho 23

Aritmética Vindicta - Parte D

- Como é que… - Eu viu-o a tocar à campainha, estava à janela. – A rapariga não parava de sorrir. – A sua mulher não sabe que está aqui, pois não? – Salvador olhou para aquela que parecia ser irremediavelmente a mulher que o assombrava de todas as formas possíveis, e respondeu: - Não. – Eu pergunto-me porquê… - Uma intensa troca de olhares carregou o saturado ambiente do carro. Salvador tinha a estranha sensação que já a conhecia, o olhar dela era-lhe familiar, subitamente o desejo deu lugar à saudade, o sentimento indiscritível em qualquer outra língua ou dialecto, preencheu-o por completo, o médico sentiu-se preso em si próprio e respondeu às reticências: - Eu sei que a conheço, mas não sei de onde. – Petra riu-se com uma estridente gargalhada, e respondeu: - Você é muito mau nisto! Outra resposta e provavelmente já estaríamos a embaciar os vidros do carro! Mas com essa afirmação vou para casa jantar, porque tenho fome. – Petra saiu do carro a rir-se, como se o que Salvador tivesse dito fosse amplamente ridículo. O médico perseguiu-a com o olhar, ligou o motor do carro e regressou a casa.

Salvador tentou abrir a porta da garagem, contudo não conseguiu. O comando tinha avariado, deixou o carro na rua e dirigiu-se para a porta. Enquanto caminhava, sentiu arrepios e passos atrás de si, quando tentou virar-se para perceber o que se passava, sentiu um braço a apertar-lhe o pescoço e um pano a cobrir-lhe a boca, deixou de ver, deixou de ouvir, adormeceu. Acordou deitado na sua cama, amarrado e amordaçado, aos seus pés estava Vitória, um homem velho e um novo. Assim que se apercebeu que o marido tinha acordado Vitória aproximou-se a chorar, dizendo: - Salvador, tens de parar com isto! Ela morreu há anos! Tens de a esquecer, ou vamos continuar a viver assim! – Salvador não entendia o que isto queria dizer, o homem novo preparava uma seringa com um conteúdo amarelado, o homem velho dirigia-se para ele. O pânico do médico crescia exponencialmente até que o líquido mistério o adormeceu, aos poucos, Salvador foi esquecendo. Petra ficou adormecida na memória, esquecida, mas por mais quanto tempo?